Em 2019 abri meu coração sobre como eu me sentia em relação a minha posição como mulher fã de automobilismo, mas é claro que a minha experiência pessoal não é um reflexo da vivencia de outra pessoa. Neste ano decidi dar espaço a algumas mulheres, afinal é sobre isso que tanto falamos: VOZ.
Antes de fazer meu papel de transmissora desses lindos depoimentos, devo contar como conheci boa parte dessas mulheres que cederam seu tempo a mim.
Girls Like Racing, o famoso grupo do whatsApp que saiu do celular e deu espaço nas arquibancadas. Somos mais de 200 mulheres com algo em comum: o amor pelo automobilismo. A união dessas garotas é surpreendente e lá, pessoalmente, encontrei amigas e muitas defensoras.
Escolhi então algumas meninas para representar esse extenso grupo. O primeiro depoimento não podia ser de outra pessoa, se não uma das mentoras e criadores disso tudo!
A Erika transformou seu amor de fã em trabalho, recém formada em engenharia vem trilhando seu caminho como profissional dentro do automobilismo.
“O Automobilismo pra mim, pessoa, é algo diferente do que é pra mim como mulher.
Erika Prado
Como pessoa, eu enxergo a emoção, o amor, a emoção do esporte. Ver a máquina em funcionamento, extrair o melhor dela, lidar com imprevistos e com pessoas que agem as vezes estrategicamente e as vezes por instinto de vencer. Tudo isso cria uma atmosfera maluca de sentimentos, que eu não vivo sem. Se torna meio que um vício. Eu sempre falo que toda corrida acende uma centelha, que vai espalhando faíscas por onde toca.
Como mulher, eu vejo tudo isso ainda mais intenso, ainda mais porque muito recentemente eu tive algumas conversas com homens que ainda acreditam que aquele espaço é deles. Essa coisa do ocupar espaço que os homens dizem ser deles, e se firmar nesse meio, é algo que adiciona ainda mais emoção. E não só ocupar como trazer minhas amigas junto comigo. Ver mais mulheres na pista, é coisa de outro mundo. É um sentimento realmente que eu não consigo descrever.
Trabalhar, ainda que como freelance em pista, pra mim, é uma sensação surreal. Meu mundo pode estar caindo, quando eu estou na pista nada mais importa. Por aquelas horas eu sou livre sabe?
Eu acho que estamos caminhando para ver cada vez mais mulheres dentro e fora da pista. E isso me move cada dia mais atrás dos meus objetivos”.
A Débora também trabalha com o esporte, mas como jornalista comandando o site Boletim do Paddock! Ela já esteve tanto como profissional dentro do Paddock, quanto como fã no famoso Setor A de Interlagos.
“A paixão pelo automobilismo é algo que me move desde os meus 12 anos e eu só me dei conta do quanto ele era intenso na primeira vez que eu fui em um autódromo, ver os carros saindo dos vocês, escutar o barulho é algo que me arrepia até hoje.
Débora Almeida
Lembro de uma vez em uma cobertura da F1, onde minutos antes da classificação para o GP do Brasil, eu estava andando na frente dos boxes, fui até a última equipe e quando estava retornando, comecei a escutar os motores se ligando, eu sabia que precisava voltar logo, mas aquele som e os cheiros foram tomando conta e eu fiquei olhando toda aquela movimentação acontecer. Quando retornei ao Paddock, eu estava arrepiada e com lágrimas caindo, fui tão emocionante que naquele momento eu sabia que gostaria de viver mais emoções como aquela.
Poucas foram as vezes que me senti acuada por ser fã ou trabalhar com automobilismo, no autódromo, na sala de imprensa ou trabalhando como fotógrafa eu sempre me deparei com pessoas legais que me auxiliaram e não fizeram distinção por conta do meu sexo, quando alguma situação chata ocorreu, eu mudei o meu foco, recordando das experiências legais que já tinha vivido”.
A história da Michelle com o automobilismo começou antes mesmo dela nascer, com um tio piloto e um pai que trabalhou na organização de diversos Grande Prêmios do Brasil e como chefe de equipe da Stock Car, foi natural para ela amar o esporte, e de acordo com a mesma, até mais fácil para ela ser respeitada dentro do circulo.
“As minhas referências são reais, muito vivas. Eu nunca senti esse preconceito porque eu sempre estive muito envolvida, então o pessoal me respeitava muito por já ter crescido no meio e ter família trabalhando no meio. Eu não tive que vir de fora e enfrentar o que muitas mulheres enfrentam, foi tudo muito natural. Falam que quando o mosquitinho do automobilismo te pica é para sempre, e é mesmo… é real essa relação, ela não pode ser menosprezada porque existe muita mulher que ama mesmo e entende de automobilismo, que não esta ali só por causa de pilotos como muitos homens pensam. Eu acho que esse movimento só cresce e eu estou ali no GLR (girls like racing) para fortalecer isso, é muito legal ver a mulherada gostando de esporte a motor como elas fazem.
Eu só posso dizer que amo isso (automobilismo) e que vai fazer parte para sempre da minha vida”.
Michelle Bragantini
Já a Allany abriu seu coração e fiquei com a sensação de que ela queria ter dito muito mais. Atualmente, ela tem um projeto em desenvolvimento voltado as categorias de base do automobilismo e vem encontrando obstáculos:
“Queria primeiramente agradecer a Rafa da Garota da F1 pela oportunidade de contar um pouco sobre como é ser mulher e fã de automobilismo, um tema tão importante e ao mesmo tempo tão… Cansativo.
Allany Talita
Cansativo pelo fato de que precisamos ficar provando todos os dias que gostamos de corridas, dos carros, de disputas, freadas, da parte técnica, estratégica, e do automobilismo com um todo. Mas a visão sobre nós hoje é restrita para: Ela só gosta porque tal piloto é bonito.
E parece que tudo o que a gente fala e faz todos os dias cai por terra, né?
Aquele sentimento amargo de: ‘Porra, eu deveria parar de gostar disso e ir assistir esses filmes melosos da Netflix, passar o dia falando de Kpop, etc’. As vezes dá vontade de render-se ao estigma. Mas nós resistimos! Foda-se o que pensam, o que digam, o que falem. Continuamos aqui. Juntas. As vezes nem tão juntas, mas ainda assim, continuando. Com um amor em comum, mas é difícil! Ainda mais quando se tem uma responsabilidade grande, que é ser dona de um projeto em ascensão como o meu, que é voltado para categorias de base. Apesar disso tudo, o sentimento é único quando começa os preparativos para o início da temporada, troca de equipes, novos pilotos, o que esperar e o que não esperar… É algo único. Que eu carrego como uma das coisas mais importantes. Ainda não tive a oportunidade de ir até o autódromo, mas quero ir o mais rápido possível. Preciso sentir o que as minhas amigas falam, quero me sentir completa nesse sentido.
Com seus altos e baixos, o automobilismo me trouxe pessoas importantes que carregarei pelo resto da vida, e ótimos frutos que vou colhendo aos poucos. No fim, não é tão amargo e sim agridoce. Obrigada, automobilismo. Você me faz sentir viva”.
Cada mulher fã de automobilismo tem a sua história, algumas positivas e outras negativas, o proposito desse texto foi dar a algumas delas a liberdade de serem ouvidas.
A mensagem é clara: dê voz a essas mulheres, não duvide de seu conhecimento e nem a diminua por não ser um homem. Já passou da hora do respeito ser normalidade e não privilégio.