O texto a seguir é de produção independente da Garota da F1, cada convidada trará um assunto que ache relevante e a GDF1 está fornecendo o espaço para que ele seja veiculado.
Em um Grande Prêmio em que a protagonista foi a chuva, os fãs de automobilismo tiveram que se contentar com os registros dos bastidores. Do cochilo de Lando Norris, passando pela ida ao banheiro de Lewis Hamilton, até a bolinha trocada entre Sebastian Vettel e Mick Schumacher, o domingo (29) frustrou quem esperava por uma ação nas pistas no retorno das férias de verão da Fórmula 1.
Mas apesar do dia pacato, uma decisão da FIA ao final do GP da Bélgica, em Spa-Francorchamps, chamou a atenção de quem passou algumas horas esperando o desfecho desta etapa da temporada, resultando em diversas manifestações dos pilotos e equipes. Em razão das fortes chuvas e da impossibilidade de iniciar a corrida, após uma espera de mais de três horas, a direção de prova optou por iniciar a corrida com safety car na pista e, após três voltas, encerrou a prova, atribuindo a metade dos pontos aos dez primeiros colocados.
Segundo a FIA, a decisão encontra respaldo no artigo 6.5 do regulamento, o qual estabelece que metade dos pontos serão atribuídos aos dez primeiros colocados se o líder da corrida completar mais de duas voltas – mas menos de 75% da distância original – em caso de suspensão da corrida, conforme o artigo 50. De acordo com a publicação da qualificação final, os resultados foram calculados conforme o artigo 51.14 do regulamento, que diz que se a corrida não puder ser retomada, o resultado é obtido conforme a penúltima volta antes da volta em que foi dado o sinal de suspensão da prova.
Todavia, o artigo 6.5 é expresso em dizer que se aplica a pontuação pela metade nos casos em que a corrida é suspensa:
Se uma sessão de qualificação ou corrida for suspensa nos termos do artigo 50, e não puder ser retomada, nenhum ponto será concedido se o líder completou duas voltas ou menos, metade dos pontos será concedido se o líder tiver completado mais de duas voltas, mas menos de 75% da sessão original de qualificação ou distância da corrida.
O artigo 50 entende como suspensão situações nas quais as circunstâncias da corrida colocam em risco a segurança física dos competidores e oficiais, de modo que será apresentada bandeira vermelha.
Se competidores ou funcionários forem colocados em perigo físico imediato por carros correndo na pista, e a direção do circuito considerar que as circunstâncias são tais que a pista não pode ser utilizada com segurança, mesmo atrás do safety car, a sessão de qualificação ou a corrida será suspensa.
Porém, o cenário que vimos domingo claramente não parece ter sido uma suspensão de uma corrida já iniciada. Desde o momento da volta de apresentação estava evidente que a corrida seria impraticável naquelas condições climáticas e que eventuais tentativas de iniciar uma corrida colocaria em risco a segurança dos pilotos. Olhando para o histórico da F1, vemos que, em outras cinco ocasiões, foi aplicada a metade dos pontos aos dez primeiros colocados. No entanto, eram contextos muito diferentes do qual presenciamos em Spa-Francorchamps.
A primeira vez foi em 1975, no GP da Espanha, no qual Rolf Stommelen colidiu com as barreiras e saltou para fora da pista, após a asa traseira de seu carro quebrar na 26ª volta. O acidente causou a morte de cinco pessoas e o piloto ficou gravemente ferido. A corrida ainda continuou por mais quatro voltas, mas depois foi declarada suspensa e os primeiros colocados receberam metade dos pontos, vencendo Jochen Maas.
No mesmo ano, no GP da Áustria, a corrida também foi suspensa, na 29ª volta, em razão de fortes chuvas, sendo declarada a vitória de Vittorio Brambilla e a atribuição de metade dos pontos aos pilotos na zona de pontuação.
Em 1984, a icônica corrida de Mônaco começou com um atraso de 45 minutos em razão das fortes chuvas. A disputa estava acirrada entre Prost, Senna e Bellof, mas por causa das condições climáticas, suspenderam a prova na 31ª volta, vencendo Alain Prost. Interessante destacar que, nesse ano, Prost perdeu o campeonato para Nikki Lauda por uma diferença de meio ponto.
Uma corrida muito comentada no domingo durante as transmissões, por até então ter sido a corrida mais curta da Fórmula 1, foi o GP da Austrália de 1991, no qual a largada também foi adiada em razão das chuvas torrenciais. Com a redução da chuva, a corrida se iniciou, mas logo aconteceram colisões e giros na pista, levando a suspensão da prova na 14ª volta, com a vitória de Senna e a concessão de metade dos pontos aos pilotos.
Ainda, mais recentemente, em 2009, no GP da Malásia, Jenson Button venceu uma prova em um contexto semelhante. Com o aumento da chuva a partir da 30ª volta, a corrida ficou impraticável mesmo com o safety car na pista, sendo declarada a suspensão da prova após a 33ª volta.
O que essas cinco provas têm em comum é que as corridas de fato se iniciaram, mas foram suspensas em razão dos perigos de continuar com as provas. No entanto, quando olhamos para o que houve em Spa-Francorchamps no último domingo, percebemos que a corrida já se iniciou conhecendo os perigos de correr no circuito com a chuva que estava acontecendo e optando-se deliberadamente por correr o mínimo necessário para atribuir a metade dos pontos aos dez primeiros pilotos.
Lendo o regulamento e vendo o histórico das vezes em que metade dos pontos foram atribuídos aos pilotos, parece que o artigo 6.5 foi lido e aplicado descolado do seu objetivo de solucionar a atribuição de pontos em corridas que por diversos motivos precisam ser encerradas.
Na terça-feira (31/8), o Presidente da FIA, Jean Todt, anunciou que a FIA, junto com as equipes e a Fórmula 1, irá rever o regulamento para que situações como essa não se repitam.
Nos resta agora acompanhar os efeitos dessa atrapalhada para o resto do campeonato e principalmente para a disputa do título de 2021.
Pesquisa e texto por: Juliana Reimberg